terça-feira, 2 de outubro de 2012

Kuarup - um outro olhar


Parque Indígena do Xingu, Aldeia Yawalapiti, 30 de setembro de 2012

Faz tempo que não escrevia nada aqui no blog, mas não foi pela falta de assunto, pelo contrário. Acredito que, a partir de agora escreverei com mais frequência, e acredito que as postagens serão mais curtas que o normal.

Esta minha postagem é a primeira que escrevo, desde que vim morar na Aldeia Yawalapiti (a pronúncia correta do nome, da aldeia, do povo e da língua - todos iguais - tem a síliba "pi" como sílaba tônica, o que em Português diríamos que é uma paroxítona). Passei a morar aqui, desde o dia 14 de agosto de 2012. Provavelmente, as postagens mais comuns serão a respeito das questões diárias da aldeia, ou de algo específico que aconteça por aqui.

Por hora, falarei ainda sobre um tema que já falei. Já tinha escrito um texto sobre, provavelmente, a maior expressão cultural das etnias do Alto Xingu, o Kuarup . Mas, como assim, uma festa pode ser a expressão maior de muitos povos. Pois é, hoje consigo perceber melhor o que esta festa/ritual fúnebre (ao mesmo tempo que é uma festa, seu motivo inicial é devido a morte de alguém), que é feita para uma pessoa ilustre das etnias (um cacique, um pajé, um grande cantor, um flautista, ou qualquer outra pessoa ilustre e de grande importância). Quando escrevi aquele primeiro texto, falei da festa que houve aqui no mês de maio, quando uma outra etnia, que era também a organizadora da festa dos Yawalapiti (o principal homenageado era um índio Yawalapiti que morava no Mehinako, por isso, a festa foi organizada por esses dois povos). 

Mesmo tendo muito mais elementos pra escrever da festa, de quem a viu por dentro e trabalho em prol dela, já que trabalhei, junto com o pessoal da aldeia, pra organizar e fazer a festa que aconteceu no final de semana de 18 e 19 de agosto (muito mais do que poderia imaginar, quando escrevi aquele primeiro texto), vou falar de quem participou de outras duas festas como convidado. Logo depois da festa que houve aqui na aldeia, fomos participar de mais dois Kuarup, um no Utawana e outro no Kuikuro. A ida pra essas festas me fez ter a idéia de escrever este texto. Depois de ter feito viagens longas, desgastantes, onde se leva uma boa parte das pessoas da aldeia, pra participar de um evento que, pros convidados, efetivamente, não dura mais que o tempo de uma manhã.

Fiquei pensando os porque esses povos vão tão longe, em viagens tão cansativas, pra acampar em um local não tão confortável e pros jovens lutarem o huka huka no outro dia de manhã, e depois todo mundo ir embora? É, pra quem visse de fora, teria essa idéia mesmo. Agora, como estou convivendo dentro dessa tradição, percebo que as etnias se preparam durante muitos meses pra participar. Esta participação não se dá apenas pela festa, mas pela reverência que se faz à pessoa ilustre que morreu. Para tanto, há uma quantidade imensa de simbolos e rituais que são seguidos. Uma parte deles eu já consigo entender, mas é uma pequena parcela de tudo que se dá. Para falar efetivamente do Kurup, um livro seria bom (nos dias de hoje, um DVD que acompanhasse o livro seria ideal).

Os rituais vão desde a visita dos caciques pra chorar a pessoa que morreu, quando da morte, até a festa que ocorre no ano seguinte. Por conta do tempo que decorre entre a morte e a festa, a família do falecido fica cerca de um ano em luto. A retirada do luto se faz por um banho que os parentes tomam no centro da aldeia, banho este dado por uma terceira pessoa.
Outros elementos que podem ser citados, é quando as pessoas da aldeia que promove a festa, são escolhidas por convidar as demais aldeias que participarão da festas. Os "convidadores" serão os grandes responsáveis pelo bem estar de seus convidados durante a festa, tendo a responsabilidade de dar peixes e beiju para a etnia convidada, além de providenciar um local adequado para acampamento, água e lenha para fogo. Para que se tenha tudo isso preparado, o trabalho do convidador começa muito tempo antes, dele e da comunidade, que trabalha em prol de pescar e juntar polvilho pra fazer beiju. Os jovens que treinam desde pequenos (parte do treinamento é um período de reclusão que os jovens ficam dentro de casa tendo uma vida específica, dentro daquele período), para serem os grande lutadores do Huka Huka, e terem seus nomes gravados nas histórias desses povos, como foi o grande Sariruá, irmão de Paru e tio de Aritana. O grande cacique Aritana, atual cacique dos Yawalapiti (também considerado como o cacique geral do Xingu), foi o grande lutador na sua época.

Todas estas preparações, agarram perto de si uma infinidade de ações e tradições.
O que posso citar, na minha idéia de um urbano ocidental, de algo que mais parece com tudo isso, é a idéia de mandar uma pessoa à lua. O motivo/resultado de se fazer isso, não é somente pra um ser humano chegar na lua e voltar, mas isso significa o imenso salto tecnológico e um apanhado de conteúdos e conhecimentos adquiridos. Enfim, para se fazer um evento desse porte, as tradições que a sustentam são tantas, que faz com que se diga que esse é o principal evento cultural do Alto Xingu.

Acho que consegui dar uma idéia do que é esse evento e o que esses povos fazem pra mantê-lo vivo. Se a festa não se mantiver, uma grande parte de elementos, não se fará mais importante... e com isso, a identidade cultural dos povos, em grande parte, se vai.

No momento oportuno, juntarei mais material pra exemplificar um pouco mais.
Nesses links, é possível ver um pouco do que foi o Kuarup no Yawalapiti, a partir das fotos do Ueslei Marcelino.



Aqueles que estivem mais curiosidade de saber sobre questões que envolvam a festa, fala ai nos comentários, que respondo!

Saudações Xinguanas

3 comentários:

Vinícius Camargo Penteado disse...

Eita George Leandrio, que vidão agitado, volte mesmo a escrever. To só no acompanhamento
Abração
Bitão

Luciana Vieira disse...

Nossa Porcao, que massa essa tua experiência no Xingu! Conta mais :) Abracos, Luciana

Marianne Kimura disse...

Parabéns pelo texto e por ter visto/vivido toda essa festa, esses rituais... Invejinha boa!
As fotos dos links também estão demais.