segunda-feira, 23 de abril de 2012

Protocolos

Parque Indígena do Xingu, 23 de abril de 2012

Nesta última semana, ocorreram duas experiências novas para mim. Uma delas, participei diretamente, e a outra, fui apenas observador.

Fui convidado, por um professor de uma das escolas anexas à escola que leciono, para dar uma aula na aldeia deles (Aldeia Saidão, da etnia Aweti). Foi interessante, pois, assim que chegamos aconteceu todo um protoloco, que ainda não conhecia.
Como fomos convidados, assim que chegamos, fomos recebidos na oca do cacique e, logo em seguida, foi trazido por uma jovem da aldeia, uma esteira com beiju e peixe, que foram preparados para as visitas (de visitantes éramos um outro professor da escola, seu pai, e eu). Até o momento que não terminamos, ninguém mais se aproximou pra comer, apesar de haver uma reca de meninos em volta (o engraçado é que os meninos estavam meio com medo meio curiosos com minha aparência - eles não costumam ver muitas pessoas de fora da aldeia, e muito menos com barba e cabelo como os meus). Tão logo terminamos, a esteira foi recolhida, e logo mais começou a aparecer as crianças com pedados de beiju com peixe na mão, e que isso também faz parte do protocolo!
Depois de encerrado o banquete de recepção, tomei mingau de beiju e iniciamos a aula. A partir daí, não houve mais quase nada de diferente... Mesmo sendo muito pouco a relatar, o simbolismo de tudo aqui, foi impressionante. Ah, o peixe (cachara) estava muito bom, e foi temperado com sal do índio!

A outra experiência nova que tive, foi muito interessante. Para explicá-la, preciso dizer o que houve aqui nesse final de semana. Houve uma reunião, para que fosse discutido quais os projetos que as associações indígenas do Xingu vão enviar para o edital do Fundo Amazônia. Para que isso fosse possível, houve uma reunião de várias lideranças e caciques de diversas etnias dos povos do Xingu - e isso foi interessante de ver.

Como será muito complicado explicar como é que funciona, vou citar pequenas passagens que pude perceber.

O cacique é respeitado. Antes dos jovens, que tocam as associações falarem, o cacique de sua etnia, ou o principal deles, fala primeiro. De um modo geral, o cacique fala em sua língua original, e algum jovem traduz pro Português (isso é importante, não pelo fato de ser Português, mas ser uma língua comum, já que há não índios nas reuniões, e para que os demais indíos saibam o que foi falado).

Comer é importantíssimo. Tão importante quanto a chegada dos participantes na reunião, são as comidas que vão ser servidas pros participantes. Como a reunão foi até hoje, e não teria peixe suficiente, apesar de ter sido pescado muito peixe no sábado de noite, os pescadores foram pro rio, hoje às 01h da madrugada... trouxeram peixe somente pra dar conta do almoço - e teve muito peixe!

Depois do almoço, tem que ter um descanso. Não há atropelos de horários (hora de comer, de dencansar, de parar de falar por hoje, etc), mesmo assim, só termina a reunião quando tudo está resolvido (a reunião estava prevista pra durar sábado e domingo, mas foi preciso ficar até hoje, pra terminar tudo).


Quando um índio quer falar algo, ele fala (num tem conversinha não... se ele num gostou de algo, ele fala mesmo). Se o assunto num tiver nada a ver com o assunto da reunião, ele fala também.

Por conta de falar as coisas, as falas são duras, e com um conteúdo forte.
Dentro disso, o que mais me impressionou foi a fala do cacique dos Ikpeng. Um velhinho, bem velhinho mesmo, que deve ter 1,50 cm, com fala baixinha, quase inaldível. Claro que, o que ele falou, eu num entendi nada, mas quando o sobrinho dele traduziu, foi bonito de ver.
O menor adulto da reunião, que andava mais devagar, falava mais fraquinho, foi o que falou mais alto. Isso também é um pouco da tradição do povo Ikpeng de serem guerreiros, valentes, brigões.
Vale a pena ver este filme do ISA, Olhares Cruzados, que mostra uma liderança Ikpeng falando.


Ah, pra finalizar, só uma coisa que achei muito legal de ver.
Teve um momento, numa reunião separada, em que um advogado foi falar em pesca esportiva, que deve pegar o soltar o peixe, os índios presentes foram categórios. "Se pegar o peixe tem que comer. Pegar e soltar machuca o peixe, ele fica magro e morre", foi mais ou menos isso que ouvi. Interessante!

Saudações Xinguanas

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