terça-feira, 17 de abril de 2012

O mundo visto do lado de cá

Parque Indígena do Xingu, 15 de abril de 2012
Hoje faz um mês que estou aqui (na verdade, quatro semanas, 28 dias).

Os aprendizados continuam, e as relações começam a se estabilizar, da mesma forma que as atividades. Claro que, sempre há uma ou outra tarefa nova a ser pensada e implementada (é, pensando bem, talvez, as novidades não parem... vamos ver.

Esta semana, comecei a trabalhar com meus alunos, matérias ligadas a História e Geografia, na tentativa de juntar novamente informações que são quase necessárias, uma pra outra, porém, alguém resolveu separá-las (é possível que isso tenho sido feito propositalmente, pra dificultar a interpretação... sei lá!)
Bem, o que é mais importante é que, comecei a falar sobre a própria história deles. De modo bem natural, as conversas e os conteúdos foram "caminhando" pro final do Século XV. Nem vou comentar aqui da história falaciosa que sempre nos foi empurrada, goela abaixo, da mesma forma que os próprios fatos.
O grande ponto em questão é: como vou discutir com meus alunos, na minha posição de "homem branco" (kara'ip, como eles falam - língua Kamaiurá) uma história que "o meu povo" sempre aplicou sobre os povos indígenas?
Os fatos, que nos chegam em forma de relatos estão cheias momentos de opressão, torturas, etnocídio, aculturação, tomada de terrítórios, miscigenação forçada, e mais um monte de atrocidades, e tudo isso aconteceu no mundo todo, não apenas no Brasil (se tratarmos de "América Espanhola" a história será ainda muito mais cruel que foi aqui na Ilha Brasil).

A História oficial, que é propagada pelos livros didáticos, mesmo quando trazem informações mais subversivas, revolucionárias, ou de levante (como se queira dizer), ainda assim, esta sempre é vinda da voz de um kara'ip, e nunca de um indígena. Até quando, vamos falar de história sem ouvir aqueles que foram oprimidos, roubados, estuprados, assassinados, ou melhor, a partir de quando, vamos ensinar a história dos povos indígenas, na perspectivas dos próprios indígenas.
Mais uma vez, não vou citar todos os termos e informações que me foram ensinados na escola, e que ainda continuam sendo ensinados. Por que, não damos ouvidos aos índios?

E ai, como que eu fico numa sala de aula onde há alunos de várias etnias (Kamaiurá, Yawalapiti, Trumai, Aweti, Suyá, Mehinako), sendo que, todas elas tiveram seus territórios ameaçados, ou tomados, seus parentes mortos, famílias violentadas, e ainda assim, tentando falar uma "história oficial"?

O mais incrível, é que, todos os problemas citados ainda não acabaram, tanto é que, há vários povos indígenas que ainda sofrem tudo isso ai. E não é o fato de estarmos em uma terra indígena demarcada, que os problemas não mais existem! Eles existem de modo territorial (a PEC 215 está ai para provar) e cultura, já que ainda há perda de línguas (línguas que morrem com seus últimos falantes) e aculturação. Como citou meu colega indígena, professor das crianças do Posto, que o problema hoje não é apenas nas populações indígenas, e sim em todos os grupo desvalidos, desasistidos, aculturados, etc!

Muitos já disseram (Darcy Ribeiro, Noel Nutels, os Villas Boas,etc), que o índio só se faz mantém dentro de sua cultura. Ai, o mundo de hoje, global, com essa globalização perversa, faz com que a cultura de massa seja levada pros mais distantes lugares, ajudando nesse processo de aculturação, e imposição de "formas de vida". Com isso, num tem índio que se aguente. Tá difícil ser índio nesse mundo, então!

Pois é, pra se ter uma idéia melhor de tudo isso, sugiro que assitam o belíssimo trabalho do Silvio Tendler (pra variar...), Encontro com Milton Santos: o mundo global visto do lado de cá.



Tenho como verdade que, enquanto olharmos o nosso mundo com os olhos dos outros, sempre tentaremos mudar nosso mundo, e deixá-lo mais próximo do mundo "deles".

Saudações Xinguanas

Um comentário:

Observar e absorver disse...

Rapaz, já perdi a conta das vezes que vi esse documentário. Tenho em dvd, mas não resisto. Ainda quero desenhar esse negão, ele tem muita frase pra botar em baixo e ficar em alguma parede por aí, causando reflexão. Valeu, parceiro, muito rica tua experiência por aí. Bom proveito. E grande abraço,
Eduardo.