quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Uma boa conversa


Parque Indígena do Xingu, Aldeia Yawalapiti, 10 de fevereiro de 2013

No início desse ano, o Cacique Aritana Yawalapiti sofreu um AVC. Por conta disso, algumas de suas funções estão sendo assumidas pelo seu filho mais velho, Tapi Yawalapiti (na verdade, algumas funções já vinham sendo assumidas por ele, pois isso faz parte do processo de aprendizado, já que ele será o próximo cacique da aldeia). Esse processo de assumir as funções do pai deveria acontecer naturalmente, aos poucos, porém, o estado de saúde do Cacique, fará com que esse processo seja feito mais rapidamente (pelo menos, isso é o que deve acontecer).

Hoje, estávamos no Posto Leonardo, Tapi e eu, e voltamos para a aldeia pedalando. Aproveitando a pedalada tranquila, viemos conversando. Durante a conversa, falamos basicamente de dois assuntos: educação diferenciada e sucessão de lideranças na aldeia.

Para falar sobre a educação diferenciada acho importante saber primeiro o que é a educação indígena. Somente sabendo o que é a educação de um indígena, posso falar sobre diferenciação dessa educação. Até hoje, nunca vi um texto sobre educação diferenciada a partir de alguém que conheça bem a educação indígena (falo isso, por achar realmente muito importante conhecer a realidade das comunidades indígenas quando se propõe a trabalhar com elas).

Na minha conversa com Tapi, ele me forneceu mais elementos do modo como um jovem indígena é educado pela família e pela comunidade, até se transformar em um adulto (que ainda assim, é passível de receber ensinamentos). Alguns elementos da educação tradicional indígena eu já tinha ouvido a partir do próprio pai do Tapi e alguns de seus tios. Claro que ainda falta muito pra entender bem como é esse mundo da educação que é praticada aqui na aldeia, mas já estou começando a conhecer melhor, porém, ainda falta muito pra dizer que sei como é e como funciona em todos seus aspectos (este é um assunto que pretendo entender melhor, inclusive por acreditar que a educação que é utilizada aqui na aldeia, tem muito a contribuir na minha formação de professor). É possível que o melhor termo a ser utilizado não seja educação, e sim formação.
Conforme o Tapi mesmo me confirmou, a formação de uma criança e de um jovem se dão na prática, a partir de um parente próximo mais experiente. Só para exemplificar, dá pra dizer que um jovem aprende a remar, dentro de uma canoa, remando, sob as orientações do pai (é muito claro perceber esses elementos da formação prática, já que são aprendidos para serem praticados). Ainda assim, há elementos que não são tão práticos, pelo menos não são para a maioria.

A partir de um dado momento, comecei a perguntar ao Tapi sobre a formação dele, um futuro líder (no ano passado, eu já tinha perguntado ao Tapi sobre o seu futuro como cacique, se ele seria o próximo cacique da aldeia. Dentro de toda sua humildade, ele me respondeu: meu pai está me preparando). Ele passou a me explicar, primeiro, como é a sucessão de liderança, quando um jovem é escolhido como um futuro líder. O interessante é que há muito mais detalhes na escolha de um novo lider, que a simples relação hereditária (ainda não consigo dizer muito bem como isso se dá, pois a escolha depende de elementos que não são apenas a descendência, apesar de a ascendência é fundamental).

Um outro ponto importante da conversa foi quando ele passou a me falar dos ensinamentos do pai dele, os ensinamentos que ele deverá ter e usar nas funções de lider de um povo. É impressionante a quantidade de informações que um lider deve ter e usar. Até quando não exerce diretamente a função de cacique, ele precisa assumir uma postura diferenciada, a postura de um lider (claro, estou falando de um lider que é filho de um dos maiores líderes indígenas do Xingu, e neto de um outro lider tão grande quanto - cacique falso, como é dito aqui, num conta).

Quando perguntei se ele se sentia preparado pra assumir as funções do pai, ele disse que sim, mas disse também que tem o suporte do pai e dos outros velhos da aldeia, no momento de se pronunciar e tomar as decisões. Segundo ele, quando ele tomar uma decisão que não seja a melhor para o povo, o pai e os demais líderes velhos, saberão o momento de se pronunciar e dar conselhos a novo líder, aconselhando-o.

Bem, tudo isso só exemplifica como é a formação de um índio, e que ainda tenho muito a entender dessa formação, fazendo com que meu trabalho de professor seja melhor executado. Além disso, tenho o prazer de poder ter contato com todos esses ensinamentos que, com certeza, melhorarão minha formação profissional, e ainda mais a minha formação humana.

Sim, o Cacique Aritana está melhor (fiz uma visita a ele em Brasília antes de voltar ao Xingu), e está esperando pra fazer um pequeno procedimento cirúrgico lá em Brasília. Esperamos que ele retorne à aldeia ainda este mês, e venha cheio de energia para ajudar a formar mais uma geração de jovens, além de trazer muitos de seus ensinamentos e conselhos ao meu amigo Tapi.

Saudações Xinguanas

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